É raro encontrar um filme que parece falar uma língua própria, não apenas pelo som, mas também pelo gesto. “A Lenda de Ochi” (2025) é esse tipo de obra. Desde os primeiros minutos, o público é transportado para um universo onde a lógica do mundo que conhecemos não se aplica totalmente, e é justamente nessa estranheza encantada que o filme encontra sua força. Assistir a ele é como folhear um livro de fábulas antigas, onde o desconhecido não é algo a ser explicado, mas sim sentido. E o que mais impressiona é que tudo isso é construído com delicadeza, sem pressa, como se o tempo do filme seguisse o compasso interno de seus personagens, especialmente o da jovem protagonista, Yuri (Helena Zengel), cuja jornada silenciosa nos guia por um território tão vasto quanto íntimo.
Parte do encanto do filme vem justamente da sensibilidade da equipe por trás das câmeras. Na direção, Isaiah Saxon estreia no cinema com um olhar delicado e quase intuitivo, criando imagens que parecem brotar de dentro de um sonho. A fotografia de Evan Prosofsky acompanha esse ritmo com composições que evocam fábulas visuais com tons terrosos, névoas e paisagens que falam por si próprias.

Esse cuidado aparece em cada detalhe: da fotografia ao color grading e à direção de arte, tudo parece pensado para despertar sensações. As cores suaves, quase como lembranças desbotadas, criam um clima único. Nas cenas noturnas, a iluminação ganha um tom sereno e quase ritualístico, mostrando como cada área técnica trabalhou em perfeita harmonia para envolver o espectador sem pressa.
Assim como a delicadeza visual e técnica do filme, a narrativa de “A Lenda de Ochi” traz referências que enriquecem sua textura. Não passa despercebida a homenagem clara a “E.T.” (1982) de Spielberg, especialmente naquela cena marcante dos dedinhos tocando pela primeira vez. Além disso, a jornada da protagonista, marcada por descobertas e vínculos inesperados, lembra a simplicidade emocional e o afeto presente em “Lilo & Stitch” (2002). Mesmo com uma trama simples e que pode parecer reciclada de outras obras, a história é bela e redonda, como uma fábula cuidadosamente contada, que se sustenta pela delicadeza com que trata seus temas e personagens.
Além de tudo isso, a obra traz um tema um tanto quanto atual para a narrativa: a superproteção paterna. A relação da protagonista com seu pai, Maxim – Willem Dafoe -, é marcada por um cuidado excessivo, que, apesar das boas intenções, limita a liberdade dela e a impede de explorar plenamente o mundo ao seu redor. Mesmo não sendo o foco principal do filme, ele trata desse assunto com sutilidade e sugere uma certa reflexão ao espectador. Essa dinâmica reforça a sensação de uma jornada de libertação, onde a protagonista busca encontrar seu próprio caminho, além do que foi imposto a ela. É uma jornada sutil ao autoconhecimento.
“A Lenda de Ochi” é um convite a desacelerar e mergulhar em um universo onde cada detalhe importa. É um filme que não se preocupa em entregar respostas rápidas, mas em provocar sensações que permanecem depois que as luzes se apagam.
Em um cinema contemporâneo cada vez mais acelerado e barulhento, essa obra se destaca por sua paciência e delicadeza, mostrando que há ainda espaço para histórias que respiram no ritmo do imaginário e do sonho.
NOTA FINAL
4/5
★ ★ ★ ★
Autor: Alexandra Coral
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