“EROS” é um documentário brasileiro lançado em 2024, dirigido por Rachel Daisy Ellis, que se propõe a explorar a intimidade e a vulnerabilidade humanas dentro de um espaço muitas vezes reduzido ao estigma: o motel.
Ao invés de seguir uma estrutura tradicional ou distanciada, o filme entrega a câmera aos próprios frequentadores desses espaços, permitindo que casais, grupos e indivíduos decidam como querem ser filmados e o que desejam revelar. A partir daí, a obra se transforma num retrato multifacetado da sexualidade brasileira. Ora sensual, ora cômica, às vezes melancólica, sempre profundamente humano.
A produção é liderada por Rachel Daisy Ellis, conhecida também pelo trabalho em parceria com o diretor Marco Dutra. Aqui, ela assina não apenas a direção, mas também se envolve intimamente no processo criativo, já que o filme parte de uma experiência pessoal – um encontro que não acontece.
A montagem é de Cristina Amaral, uma das maiores montadoras do cinema brasileiro, o que já é um indicativo da sensibilidade com que o material seria tratado. A presença de uma equipe técnica predominantemente feminina também se reflete no olhar generoso e sem julgamentos que permeia todo o documentário. É um projeto que une força autoral, colaboração e escuta ativa, os quais são aspectos raros e preciosos dentro do gênero.
A fotografia do filme alterna entre momentos amadores e imagens cuidadosamente compostas, criando um híbrido visual que reforça a proposta colaborativa do documentário. Muitos trechos foram filmados pelos próprios participantes, o que confere ao material uma autenticidade crua, quase caseira, mas não menos expressiva. Já os planos captados pela equipe têm uma delicadeza que valoriza os tons quentes dos quartos, os reflexos nos espelhos, os neons que vazam pelas frestas.
A direção de arte é quase invisível e isso é um mérito. O motel é o cenário principal, mas não é artificializado. O espaço é aceito como ele é, com todos os seus exageros kitsch, espelhos no teto e lençóis plastificados. Esses elementos se tornam parte da estética sem nunca roubar a cena.
Narrativamente, “Eros” se organiza como um mosaico. Não há um fio condutor tradicional, mas sim blocos de experiências que se encadeiam por tema, humor ou intensidade emocional. Rachel Daisy Ellis assume uma direção que é, acima de tudo, escutante. Ela abre mão do controle total para permitir que cada história se revele no seu próprio ritmo.
O roteiro, nesse caso, é um esqueleto fluido há uma linha de pensamento, sim, mas ela se constrói com base no que os personagens oferecem. É uma proposta arriscada, mas que encontra força na diversidade dos relatos religiosos que enfrentam seus próprios dogmas, casais de longa data, jovens em busca de experimentação, todos com algo a dizer, mesmo que o silêncio também faça parte.
Ao final, “Eros” é menos sobre sexo e mais sobre o que acontece antes, durante e depois dele. É um filme que trata seus personagens com dignidade, sem espetacularizar ou reduzir suas vivências a rótulos fáceis. Em um país onde a sexualidade é, ao mesmo tempo, exaltada e reprimida, essa abordagem é politicamente necessária.A decisão de entregar a câmera aos protagonistas não é apenas estética, mas ética. O filme nos convida a ver o motel não como um lugar de vergonha, mas como um território onde o humano se revela com rara intensidade. É um documentário que ouve, observa e, acima de tudo, respeita.
NOTA FINAL
3,5/5
★ ★ ★ ★
Autor: Alexandra Coral
O documentário já está em exibição nos cinemas com distribuição da Fistaile.
Compartihar: