Talvez “Nada” (2024) seja um simbólico tributo à David Lynch pela quebra significativa do roteiro – e percebe-se.
Este é o primeiro longa de ficção dirigido por Adriano Guimarães, – que vem de extensa experiência em teatro e cenografia em Brasília e no exterior – antes de “Nada”, o diretor já havia dirigido mais de 60 montagens teatrais e projetos transdisciplinares, incluindo performances e exposições.

pesar de grande parte dos espectadores geralmente esperarem uma certa “dificuldade” do diretor por justamente ser o primeiro longa-metragem dele, acredito que Adriano fez um bom trabalho e cumpriu o que prometeu para com o filme. Há aqui uma simplicidade notável na direção, ela é sincera e está na medida certa, tronou-se perfeita para um longa como esse, ela narra o necessário para o entendimento da narrativa e não mastiga toda a história para o espectador captar a mensagem, como diversas outras obras fazem. É cirúrgica e pontual.
Adriano Guimarães opta por uma estrutura narrativa onde as cenas são propositalmente mais longas que o convencional, o que já é perceptível nos primeiros minutos do filme. Esse alongamento de tempo não se dá apenas pela duração em si, mas pela ausência de cortes rápidos e pela lentidão dos movimentos. A câmera permanece fixa por mais tempo nos rostos, nos gestos e nos ambientes, permitindo que o espectador habite o tempo da personagem.
Esse ritmo mais esticado reforça o caráter completamente teatral e meditativo do longa, alinhado à formação do diretor nas artes cênicas. As cenas se desdobram como quadros vivos, às vezes com poucos diálogos, outras com repetições que funcionam como ecos de memória ou lapsos mentais.
Um dos aspectos mais marcantes da linguagem de “Nada” é o modo como o silêncio se impõe como parte central da narrativa. Mesmo quando as personagens conversam, há algo de incomunicável entre elas, as palavras parecem incapazes de expressar completamente o que está se passando, e é nesse vazio que o filme atua. O silêncio se torna uma metáfora para o não dito, para a memória reprimida, para a dor que não encontra forma. Ele atravessa a relação entre as irmãs como um ruído ausente, uma presença incômoda que nunca é nomeada, mas sempre sentida.
Esse efeito de silêncio é intensificado pela direção de arte, – feita pela Ana Luiza Sette e pelo próprio diretor, Adriano Guimarães – que constrói um ambiente carregado de tradições brasileiras e de signos afetivos. A casa onde se passa a maior parte do filme é repleta de objetos antigos, enfeites religiosos, bordados e móveis de madeira que evocam um Brasil interiorano e melancólico. Esses elementos não apenas compõem o cenário, mas atuam como extensões emocionais das personagens, colaborando para a construção de um tempo lento, quase imóvel. Juntos, silêncio e espaço criam um sentimento constante de suspensão, como se tudo estivesse prestes a desmoronar, mas mantido de pé pela força do “não-dito” e do que permanece.
A questão mais artística do filme intensifica as formas oníricas nele presentes e na criação da atmosfera de sonho e levemente paranormal que a obra carrega. O longa flerta com o realismo fantástico suave, criando uma sensação constante de que algo invisível e misterioso habita no espaço, essa ambiguidade entre o mundo tangível e o invisível gera uma experiência sensorial quase hipnótica, que convida o espectador a entrar em um estado de sonho acordado e que consequentemente o confunda a cabeça tentando entender o que está acontecendo.
Um ponto muito positivo – que já foi comentado em um parágrafo mais pra cima – é que a trama não é mastigada e a quebra do enredo é a chave de tudo. Apesar do roteiro um pouco fraco, certos diálogos entregam que realmente tem algo de muito estranho e sinistro acontecendo ali, mas a graça está em realmente não saber o que é e quando finalmente acontece vem tão repentinamente que é como se o público desse de cara com o cimento e fosse pego de total surpresa.
“Nada” é um filme preciso em sua proposta, ele não quer agradar a todos, nem se preocupa em oferecer respostas fáceis. Sua força está justamente em abraçar o silêncio e a ambiguidade, construindo uma experiência que exige entrega e sensibilidade. É uma obra que não se revela de imediato, que pede um olhar atento para os detalhes e para os gestos mínimos. Por isso, é provável que nem todo mundo o compreenda como ele merece, mas quem estiver disposto a entrar nesse universo encontrará um filme profundamente sensorial, poético e único, capaz de permanecer ecoando mesmo depois do fim.
NOTA FINAL
3/5
★ ★ ★
Autor: Alexandra Coral
O longa que possui distribuição da EMBAÚBA FILMES chega aos cinemas em 31 de julho.
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