Um Interlink profundo e jornalístico acerca do Pai da Bomba Atômica.
Jules Robert Oppenheimer foi um dos mais proeminentes físicos da história americana. Diretor do projeto Manhathan, é conhecido mundialmente por ser o ” pai da bomba atômica “, onde o qual foi fundamental para avanços teóricos na física por trás de um armamento capaz de destruir uma cidade inteira- que acabou a calhar indagações sobre o poder de destruição da invenção após os desastrosos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki no fim da segunda guerra Mundial.
A história de Oppie foi repassada com brilhantismo e consequentemente popularizada através do longa Oppenheimer, lançado em 2023 e dirigido por Christopher Nolan, se tornando, inclusive, um dos maiores sucessos do diretor, sendo agraciado com púlpito no Oscar 2024. Nolan, obviamente, precisou fazer recortes objetivos para transladar a complexa história do ex docente de física da Universidade da Califórnia em Berkeley que se tornou o maior mártir político da era macarthista do país. Afinal, são inúmeras minúcias e camadas propagadas em âmbito social, moral e político, que Nolan precisaria de uma super série para contemplar todas as intrincadas circunstâncias que construíram a imagem do físico. Martin Sherwin, auxiliado por Kai Bird, realizam aquilo que nenhuma obra cinematográfica conseguiria capturar como adaptação, ao fazer um extenso documentário letrado profundo, muito bem organizado e com um mapeamento jornalístico abundante em fontes, objeções e critérios, que tornam a experiência de leitura, na expectativa de impelir sobre as motivações e execuções do pai da bomba atômica, uma jornada obrigatória e essencial.
Especialista sobre questões relacionadas a proliferação nuclear, Martin Sherwin conduziu uma extensa pesquisa que envolveu todas as cernes políticas e familiares de Oppie, num relance que começou com uma aventura pelo Rancho Los Pinos, local próximo a que Oppenheimer explorou pela primeira vez a bela cordilheira Sangue De Cristo ( Pag.628 ). Sherwin, como um historiador, se deu ao prestigio árduo de 12 anos de progresso para compôr a obra, com a ajuda de Kai Bird, autor com visões similares e com teses e biografias que também rondavam o espectro nuclear que, por mudar toda a geopolítica ocidental e oriental, se tornaram fontes preciosas de informações. Doze anos que renderam aos dois o prêmio Pulitzer em 2006.
A jornada de mais de uma década através da América e fora da América reuniu em um grau espetaculoso, todo um espectro de dedicação imparcial ao retratado. Abordagem que tilintou desde a infância de Oppenheimer até o falecimento do mesmo com assombroso preenchimento de fatos. Os interlinks pontuais da montagem textual do livro passeam tão profundamente por cada faceta da biografia, que todas as informações vão se agrupando em panoramas totais de cada fase da vida do biografado. Há uma atenção á família de Oppie, sobre a cultura judaica que o moldou e sobre os primeiros passos morais do físico perante a um conceito de personalidade. Tudo comentado com ilustrações textuais alusivas a política de cada momento, a cada atmosfera pendante da sociedade na qual rondava aquele recorte da história. Em como a Escola Ética da qual Oppenheimer estudou durante seus primeiros anos de carreira e adolescência foram influenciados por um tipo de progressismo humanista secular. E além de pontuar essas ilustrações letradas do contexto geral da passagem, a dupla de escritores permite sempre que cada informação se penere de maneira clara, muitas vezes adjetivas, porém universalmente dedicada a transparecer esse mundo bélico e explosivo do século XX de forma objetificada.
Os interlinks são fundamentais, e sempre se enviezam por dados que realmente sirvam para galgar a história num todo. O livro sabe exatamente o momento onde inserir uma estrofe maior para falar de certos personagens, como o pai do Oppie, em que subsequentemente, habilita ao casamento dos pais um comentário social reativo a tal evento, e assim por diante. Ou seja, a biografia de Oppenheimer é regida por uma associação bastante profunda e detalhada de cada momento, por interlinks, que não só conectam os personagens na cronologia dos fatos, mas que também molda sem exceção, uma descrição louvável da geopolítica conceitual de cada bloco da cronologia. Faz a literatura geral passar por um prisma de profundidade documental, que elabora comentários adjetos, dados de fontes muito bem demarcadas e passíveis de pesquisa ao próprio leitor, com uma consciência interligada impressionante.
Mesmo que tenha que redigir características e amostras relativas a uma inúmera quantidade de figuras históricas, O Triunfo e A Tragédia do Prometeu Americano, faz isso com mestria, sem se perder nos interlinks que faz, e com bastante enfoque na premissa interrogativa, onde as aspas indicam opiniões que os próprios personagens históricos fazem de Oppie, ou que Oppie faz desses personagens.
Detalha com máxima profundidade o amadurecimento de Oppie, suas jornadas cientificas através das universidades em que foi aluno e as que foi professor. Linka tudo com muita informação por testemunha, não ignora os adjetivos construtivos na imagem do biografado e sempre mantém acessa o wallpaper geopolítico. A gente fica entendendo direitinho os apreços acadêmicos de Oppie, suas falhas e qualidades como aluno e como docente, seus modos e vícios, sua presença na roda aquecida de muitos nomes e descrições. E o melhor, toda a evolução política e estrutural agregam-se como insights tão claros e bem redigidos, que é como a transposição milagrosa do imbróglio físico das leis espaciais para a pureza facilitadora da compreensão por diretrizes feitas por Stephen Hawking em sua Uma Breve História Do Tempo, a comparar á facilidade erudita que esses autores têm de argumentar seu texto aparentemente complicado. O inflamar intolerante americano perante aos comunistas, o New Deal, as objetiificações ideológicas dos presidentes em reação ao momento ideológico do próprio Oppie ( a fase da narrativa documental contempla três mandatos – Roosevelt, Truman e Heisenhower) , as expectativas americanas perante ao contato Ciência versus governo, entre demais métricas da clareza documental desse intenso século XX são repassadas ao leitor com muito capricho.
Óbvio que isso deixa o livro mais longo, e o mergulho parte nesse caso com o interesse do próprio leitor no panorama geral, não só da jornada estreita de um personagem histórico através de seu – como no título deixa a reduzir – triunfo e consequente tragédia. A leitura é densa, imersa numa descrição pomposa e com nenhuma intenção de resumir suas minúcias. É um deleite ao absorver o passado através de tantas camadas jornalísticas e visões imparciais a um pretérito mundo que se choca violentamente com nossas perspectivas dos dias de hoje, com tanta riqueza de detalhes, atritos, opiniões e contradições – nunca negadas, sempre debatidas e revisadas pelo púlpito opinativo dos autores- sem dúvida é uma experiência única. Um mergulho realmente recompensador.
A imparcialidade também é genuína aqui. Os autores nunca deixam de descrever as falhas de Oppie, ou ignoram suas próprias interpretações danosas para a figura do biografado. Não parecem menear eventos para prejudicar ou bajular o legado de Oppenheimer. A descrição é material, os autores escrevem assistindo também aos eventos que deixam discorrer, á pura liberdade dos dados e das fontes se cruzando e se complementando, para que o leitor se aproxime muito mais de uma cadeia real do que foi tudo aquilo. Como no famoso caso Chevalier, que se torna o ponto mais importante da cruzada dos anticomunistas contra a moral de Oppenheimer, na indagação de que ele era ou não um espião soviético. É muito claro pra mim, que – por mérito do livro- todas as evidências e todo o material de fonte apontem que Oppie realmente nunca faz parte de um Partido Comunista, mas todas as opiniões dadas pelo livro estão em paralelo com as demais opiniões vindas dos registros de fonte e da realidade documentada da época, como realmente um tete a tete justo entre as opiniões dos autores e as possíveis adversões. Sempre num modus operandi histórico e jornalístico, não propagantário.
Além dessa imparcialidade, que promove um estudo muito amplo e multifacetado da figura de Oppenheimer, na visão tanto dos autores, tantos dos amigos íntimos, amigos políticos, inimigos de Oppenheimer e até outros autores que falaram e dissertaram sobre o físico, outra parte excelente que merece ser destacada é a documentação formal entre as páginas. Além de todo o aparato jornalístico absurdamente gigantesco da vida de Oppie, o livro ainda nos presentea com imagens e legendas em alguns momentos, que complementam o visu mental de toda a vida do Prometeu Americano.
O interlink muito bem organizado entre cinco grandes partes que se modelam através de eventos-chave da vida de Oppie ( que eu diria contemplar, respectivamente, a adolescência e amor pela física, a vida concentrada em novos cálculos que o levariam ao estrelato acadêmico, o desenvolvimento da bomba em Los Alamos, as consequências internas americanas perante a Hiroshima e Nagasaki e a moral de Oppie perante a sua criação e um desfecho superlativo sobre o legado dele, o questionamento perante sua lealdade ao país e o legado arquitetado como imagem pública), revelam também um primoroso olhar ao lado mais contido do biografado também. Suas relações amorosas, descrições comportamentais de cada figura íntima a ele, cada traço de personalidade comentado. Talvez, considerando desconhecer uma obra tributo as companheiras de Oppie, por exemplo, eu diria que esse livro é o mais perfeito para conhecer o afeto de Oppenheimer com sua esposa Kitty Puening, seu passado com a comunista Jean Tatlock e suas relações com amigos de maneira geral. Talvez fale por empolgação, mas vejo como imprescindível a qualidade dessa anatomia íntima de Oppenheimer, em graus de pontualidade cronológica, fontes documentais e resgates investigativos super contundentes.
Oppenheimer: um mártir ou um criminoso ?
Após ler essa biografia, eu me peguei num estado de extensa reflexão. Algo que havia acontecido quando saí da sessão do filme em 2023. Mas com a leitura, os efeitos de indagação moral sobre a figura em que acabara de investir quase 23 horas de leitura voltaram com intenso arrebatamento. Tanto as descrições prudentes de Sherwin e Bird, através dos mais variados relatos de amigos e conhecidos de Oppie em diferentes escalas de importância, tanto o símbolo de vítima de sua própria criação impensada decupada por Christopher Nolan nos cinemas, me trouxeram uma impressão de pura admiração pelo físico nova iorquino. Mérito das obras, que os transpareceram a mim de forma tão imparcial. Oppie era um homem de valores, de ideias humanistas, embora fosse um político. As vezes, arrogante, exageradamente convicto, muitas vezes ingênuo. Essas combinações de fatores, que misturados num sedimento muito genial de personalidade única, levaram Oppie ao ócio timbrado da subtítulo: o Triunfo e A Tragédia.
E eu particularmente entendo a preocupação de Oppie, aquela que o levou a chefiar um projeto que ocasionou o estoque mortal de uma balística que pode vir a se tornar o Armaggedom. A questão de que se não fossem eles, seriam os nazistas, sempre me pegou. O mundo não deveria ser tão ilícito ao ponto de se render a essas únicas escolhas, mas é sensato pensar que se eu fosse Oppenheimer, talvez numa propaganda pela estima possível da ciência ( e ainda mais, a sua ciência, a física quântica, da qual Einstein odiava ), tentaria a admitir que não havia outra opção a não ser tomar a dianteira.
Os caprichos e esforços dos cientistas chefiados por Oppie e sua física cáustica em Los Alamos podem parecer macabros hoje em dia, mas naquele contexto, o buraco realmente era mais embaixo. Era a realidade de uma guerra sem precedentes e de uma descoberta física, que Oppie instigou que o exterior não pudesse sequer ter um simples domínio.
O grande fator aqui é que a ganância humana, o erro de Oppie pelas circunstâncias já erradas ( que justificaram o meu entendimento pelo erro em Los Alamos ) traíram qualquer inocência que a física poderia ter em apaziguar o mundo. O desbocar quase indiscriminado da causa da física de Oppenheimer para uma ameaça atemporal do controle atômico matou a inocência benéfica da física. O despertar de Oppie pra isso foi a alma de seu fatídico legado.
A física demoníaca havia nascido pelas equações dele. E eu admito que, se fosse Hitler a lamentar por esse fardo ( o que era impossível), talvez fosse bem pior. Mas obvio que não é um desprezo ao que sentiu o povo japonês. Na verdade, o limiar entre mártir e criminoso parte exatamente do sangue radioativo que penumbra as memórias de Hiroshima e Nagasaki até hoje.
Mas não chamaria Oppie de um criminoso. Chamaria ele de um cientista. Uma parte entre a criminosa humanidade que desferiu seu ataque suicida nos anos 20. Coletivamente, não individualmente. Onde os únicos não criminosos eram os civis que nada entendiam de física e políticas Mcchartistas ou Stalinistas, que deram o seu sangue não voluntário, para que o questionamento sobre a moralidade de Oppenheimer e de tantos outros pudesse existir. Infelizmente, a física saiu culpada. E Oppenheimer fora seu ministro.
E seus esforços para conter o que tinha feito são válidos. A necessidade de reconstruir a física para a utopia deram a Oppenheimer um preceito de mártir. Aqueles que se hipnotizaram com o fogo de Prometheus, como Lewis Strauss, Henry Truman, Edward Teller… Vladimir Putin, Donald Trump, entre vários outros, são a criminosa decadência humana que nasceu do seio de Oppenheimer e de Los Alamos, que prescreve um futuro, onde talvez a física de Oppie e o fracassado plano Acheson-Lielenthal ecoe o martírio da física.
Groves e Lilienthal. Imagem : Atomic Heritage Foundation
A industrialização da morte foi o legado de Oppenheimer, mas por uma continuidade que eles mesmo tentou impedir. Como a humanidade que o concebeu, uma coletividade criminosa, para um ser humano que projetou o nosso futuro, um mártir escoriado pelo antibolchevismo pulsante ( a vingança de Strauss ) que foi crucificado pelos ecos de um Japão radioativo, e de uma gradativa corrida pela arma de destruição mais apocalíptica, que até hoje nos assola, com a sua iminência sombra fatal. O ponteiro do juízo final caminhando pelos lapsos desse descontrole. O sussurro introspectivo de Oppie, explanado por Bhagavad-Gita ( uma de sua leituras basilares) arruína a alma desse futuro perigoso:
” E Agora eu me tornei a morte, a Destruidora de Mundos “
Oppenheimer: O Triunfo e A Tragédia do Prometeu Americano é um pontifície jornalístico primoroso, que incendeia o bem e o mal através da política e dos insights do passado geopolítico de um feroz século XX. Uma leitura fenomenal para conhecer a vida do homem que inventou a bomba atômica. Um exercício inesquecível através dos tortuosos anseios enigmáticos da corrida armamentista e uma construção reveladora da moral humana perante aos conflitos sociopolíticos e suas consequências.
Título : Oppenheimer, o Triunfo e A Tragédia do Prometeu Americano
Ano de Publicação: 2005
Autores : Kai Bird e Martin Sherwin
Editora original: Alfred A. Knopf
Número de páginas: 640
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