Nova adaptação da Netflix faz romance obscuro parecer chato
O Fabricante De Lágrimas é uma adaptação cinematográfica do best-seller italiano de mesmo nome da autora Erin Doom, que chegou ao catálogo da Netflix prometendo fortes emoções e intensidade dramática num romance obscuro e selvagem entre um casal de adolescentes.
Alessandro Genovesi assina a direção de uma longa narrado em modo imersivo, porém bastante teatral, onde os personagens se apresentam numa encenação quase literal ao método de literatura em primeira pessoa. E aqui a Netflix apostou na boa e velha estética fanfic para embasar o grande ” hot-romance ” do mês. Filmes com esses conjunto de elementos sempre conseguem boa audiência na plataforma. E para quem já tá curtindo a adição recente de toda a saga Crepúsculo por lá, pode esbarrar em algumas alegorias parecidas em O Fabricante De Lágrimas.
A comparação com Crepúsculo é inevitável. Ambos são visões diegéticas da percepção feminina sobre o erotismo masculino, que entra nas camadas de narrativa como uma descrição literária quase sempre poética ou Shakesperiana. O Fabricante de Lágrimas é portanto um modelo italiano dessa semântica meio reciclada de romance maduro no geral. Assim como com a saga Crepúsculo, eu não cheguei a ler a obra original, o que fico a par apenas a descrever o quão raquítica passa a ser tal semântica ilustrativa quando transportada para a linguagem cinematográfica, ainda que desprendido totalmente de uma experiência com o material de base.
📸FOTO: NETFLIX
Filme é falho no desenvolvimento coeso dos seus personagens
Aqui, a objeção da lenda é realizada de forma até mais confusa do que minha comparação ( Crepúsculo na verdade é o olhar já enraizado numa fantasia muito mais admitida ), criando uma tom implícito dramático-surrealista que existe apenas na psique da protagonista, nesse caso, Nica ( Caterina Ferioli ), personagem órfã, que é abrigada num orfanato. Ali, Nica encontra um ambiente hostil, onde ela e várias crianças são maltratadas e abusadas pela cuidadora do local, Margaret ( Sabrina Paravicini). A única criança isenta desses castigos é Rigel ( Simone Baldasseroni ), explicado pelo filme que possui uma relação mais forte e auto protegida com Margaret. Essa sutileza da lenda e do manejo ultra descritivo da literatura parece ser uma espécie de memorando da protagonista já fora da progressão da história, o que infelizmente acaba ficando extremamente estranho.
Em Crepúsculo, essa jornada diegética partia de um pertencimento frontal aos eventos, desde o momento onde Bella conhece Edward até a conclusão. Aqui, a descrição onipresente de Nica parece perdida numa metalinguagem absurdamente mal idealizada. Já que Nica só se apaixona realmente por Rigel quando ambos vão morar juntos, depois de serem adotados. Toda a realidade vivida no orfanato não pertence a uma visão metalinguística da personagem e nem se conecta bem com essa lenda que a personagem alude ( concepção da lenda que também não é bem localizada aqui ), já que não há nenhuma contextualização real de aproximação entre ambos os personagens na introdução.
O filme é uma narração diegética que simplesmente concebe uma ideia de premissa deslocada da própria materialização apresentável do filme. E se houvesse alguma maneira de contornar isso, era realizando uma conexão mais interessante dos personagens ( ainda fora da metalinguagem ) em situações do orfanato que realmente se conectasse com a dramatização ou realmente com essa lenda. Mas já nos primeiros dez minutos, o filme escolhe reduzir tudo , apresentar uma personagem descartável como ambientação e já partir para a problemática, que convenhamos, ainda estava absurdamente caótica.
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Problemática geral do filme se desenvolve com muita pressa, enquanto personagens ficam mal distribuídos.
A problemática são as resmas dessa lenda ,psicologicamente dominada por Nica( em sua narração constante ) e mal distribuída entre os outros personagens, que de forma absurdamente exagerada, passam a aceitar essa ideia de roteiro como formas de acalentar a ligação entre surrealismo e realismo agora numa linguagem única. Quem representa isso ? Rigel. Ele traz uma penumbra fria, sombria e estática para simbolizar aspectos obscuros dessa lenda, se comunicando de forma tão teatral, enfeitada e descompassada, acreditando surpreendentemente que tal lenda o reflete obrigatoriamente. Mas como não temos uma base coesa que localize a lógica dessa lenda em contato com a lógica geral do roteiro, isso vira uma grande paródia de fanfic, que passa a ser devota una e exclusivamente a visão erótica, literária e elementalmente ilustrativa de Nica.
Ela também, representando uma ilustração de solenidade, faz tudo numa irritante reação constante de moralidade inútil, que só serve para enxugar a história com sub-arcos que ela atrai, que jamais são desenvolvidos. O romance gay de sua amiga, o porque da obsessão repentina e desproporcionalmente intensa de Lionel ( Alessandro Bedetti ) , tudo isso é artificial, raso e sem graça. Filme tem uma pressa em chegar ao vigor do olhar que eu citei, do erotismo que quer ser suficiente para representar o Dark Romance ( Nem Crepúsculo era tão apelativo), e ilustra tudo na confusão literária só pra se aproximar do público de fanfic ( basicamente uma comunidade super devota ao pornô acima da narração), e quando chega nisso…
São cenas de sexo que envolve uma cenografia exagerada, mas que até são estilizadas com certo envolvimento. Grande problema é que não há como comprar o desenvolvimento de tais personagens, tão materialmente diferentes e distantes na montagem picotada do filme. Então tudo aquilo ali, a tensão sexual provocativa, a obsessão pelo corpo de maneira imediatista e a simbiose erótica são no mais, formas de ilustrar somente a descrição oculta de Nica. Sem cuidado narrativo e elemental, o resultado é uma ou duas cenas de sexo que não se encaixam em absolutamente nada da proposta do filme.
Faz parecer que o Dark Romance é um pornô lícito, onde a narração é negligenciada por uma história sem química e sem sentido, que quer, por meio da força e das impulsões negativamente enigmáticas, chegar logo nas cenas sexuais.
Onde tudo vai ser visto como algo frio, cinzento, gótico e traumático. E ainda sim, a única coisa desenvolvida será o enfeite da progesterona.
NOTA FINAL
1
★
Autor: Flávio Júnior
Flávio Júnior