COMO OS ANOS 1980 MUDARAM O GÊNERO DE SUPER-HERÓIS?
Os anos 1980 foram uma época de boom cultural, em todas as mídias. As HQs, em especial, vinham de três décadas de censura e enfim começavam a se reconstruir, adotando uma roupagem mais séria e desconstruindo seus próprios ícones. Hoje, vamos entender o quão grandiosa essa década foi para Marvel e DC, e como ela definiu muito do que é considerado eterno no gênero de super-heróis.
FIM DA INOCÊNCIA

Desde a década de 1950, o Comics Code censurava os quadrinhos, mantendo-os rasos e superficiais. Lendas como Batman e Superman nunca tinham um desenvolvimento real, sempre mantendo o estereótipo de herói perfeito e incorruptível, e seus inimigos, meros ladrões de banco e cientistas loucos. Tramas descompromissadas e bobas marcaram os quadrinhos por mais de 30 anos e, até hoje, são os responsáveis pelo gênero ser considerado “coisa de criança”.
A Marvel foi responsável por começar a romper com esse paradigma, através dos quadrinhos do Homem-Aranha e dos X-Men, com propostas totalmente fora do padrão típico de um super-herói, trazendo problemas sociais e construções psicológicas extremamente profundas para quadrinhos. Foi esse toque de brilhantismo que fez a Casa das Ideias ter um aumento massivo em suas vendas na segunda metade dos anos 1960, em uma trajetória que a levaria a superar a DC nos anos 1990.
Ao longo dos anos 1970, com uma amenização na censura, a Marvel prosseguiu com esse estilo, tendo como seu ponto mais alto a lendária HQ “A Morte de Gwen Stacy”, que enfatizou o FIM DA INOCÊNCIA nos quadrinhos, demonstrando que nem sempre o herói vence, que nem sempre há um final feliz e que nem sempre haverá alguma ressurreição mirabolante. A seriedade batia à porta, e a Era de Prata dava lugar à Era de Bronze.
A DC, por sua vez, sofreu nessa transição, mas, principalmente através do Batman, conseguiu fazê-la gradualmente. As HQs do Cavaleiro das Trevas, antes muito semelhantes à sua caricata série de 1966-1968, agora haviam voltado a suas origens, com narrativas mais soturnas e investigativas, devolvendo a seriedade que é marca registrada do herói.
Superman, Mulher-Maravilha, Flash e tantos outros passaram por esse mesmo processo, abrindo os anos 1980 em uma fase de maturidade. Os visuais tornaram-se mais realistas, os vilões, mais cruéis, e as narrativas, muitíssimo mais complexas e conectadas à sociedade real.
A Era dos Clássicos

No início dos anos 1980 preparava um imenso reboot para o universo DC: a Crise das Infinitas Terras. Seu recomeço teria muita relação com uma HQ solo lançada em 1985: Watchmen. Escrita por Alan Moore e desenhada por David Gibbons, Watchmen narra um mundo onde os super-heróis são tão moralmente quebrados quanto seus vilões, e a sociedade é uma verdadeira doença.
A escolha de Moore de destituir os heróis de sua grandeza e dar-lhes uma face mais falha e humana foi peça-chave para dar aos quadrinhos da época o seu tom. A Guerra Fria dividia o mundo, revoluções sociais abriram os olhos de milhões, e as tradições passaram a ser questionadas. Moore soube surfar essa onda, e muitos na época tentaram fazer o mesmo.
Após Crise nas Infinitas Terras, construída por George Pérez, os principais heróis da DC passaram por uma reformulação.
Batman foi para as mãos de Frank Miller, que escreveu Batman: Ano Um, que basicamente nos apresenta o Homem-Morcego que conhecemos: traumatizado pela morte dos pais, adotando o símbolo do morcego devido a seus próprios medos, viajando o mundo para treinar, enfrentando a corrupção sistemática de Gotham junto a Gordon. Esse toque de realismo e um tanto noir deu ao Cavaleiro das Trevas sua identidade mais conhecida.
O Homem-Morcego viveu uma fase de ouro nesse período, com clássicos como Cavaleiro das Trevas, Asilo Arkham e Piada Mortal, que trataram de trabalhar com seu lado mais sombrio e torná-lo o símbolo mais forte da DC, o que culminou no sucesso estrondoso do longa de 1989, pelas mãos de Tim Burton.
Superman, por sua vez, ficou a cargo de John Byrne, que lhe deu uma história mais humanizada, assim como seus poderes. Nada de explodir galáxias com espirros! Ainda assim, o herói era considerado um tanto antiquado, um símbolo fora de seu tempo. Um Escoteiro Azul, 100% correto e invulnerável, não se adequava à dualidade que a maioria dos heróis vinha tomando.
Não por menos, a DC viu sua liderança nas vendas se perder, e X-Men da Marvel assumir o topo dos gráficos. A editora seguiu, mesmo que ainda de forma sútil, tratando de temas como sexualidade, religião e raça em seus quadrinhos, algo que ia de encontro aos leitores cada vez mais instruídos e críticos.
Ela também havia encabeçado anti-heróis como o Justiceiro, que, ao matar criminosos a sangue frio, negava todos os preceitos de heroísmo clássico, e dividia os fãs: até onde um “herói” pode ir em busca de justiça?
O Capitão América não era mais um patriota totalmente leal ao seu país, Tony Stark se tornava um viciado em álcool, o Homem-Aranha enfrentava vilões cada vez mais horripilantes, como Venom e Carnificina, e o Demolidor, um herói até então secundário, tinha sua identidade revelada em “A Queda de Murdock”, sofrendo psicologicamente com as consequências disso.
O Homem Sem Medo, talvez seja o melhor exemplo dessa nova fase na Marvel. Transformado de um herói de segunda ou terceira prateleira, em um dos maiores nomes da editora, graças às narrativas mais sérias típicas da época.
A Marvel atingia um nível de seriedade até então pouco visto nas histórias em quadrinhos, e que iria se acentuar nos anos seguintes. Abaixo, confira algumas obras e autores marcantes nessa reinvenção:
- 1980: – Os Novos Jovens Titãs (Marv Wolfman & George Pérez) – Reinvenção dos Titãs, explorando juventude e drama de forma inovadora.
- 1981: – Demolidor: Renascido (Frank Miller & David Mazzucchelli) – Embora publicado em 1986, Miller já transformava o Demolidor desde 1981, trazendo uma pegada urbana e sombria.
- 1982: – A Morte do Capitão Marvel (Jim Starlin) – Primeira graphic novel da Marvel, que tratava de câncer e morte de forma madura.
– Marvel Graphic Novel: Os Novos Mutantes (Chris Claremont) – Introdução dos Novos Mutantes, mostrando diversidade e dilemas adolescentes. - 1984: – Tartarugas Ninjas #1 (Kevin Eastman & Peter Laird) – Independente, satírico e explosivo, abriu espaço para editoras fora do mainstream.
– Guerras Secretas (Jim Shooter & Mike Zeck) – Primeiro grande crossover da Marvel, marco comercial e narrativo. - 1985: – Cavaleiro das Trevas (Marv Wolfman & George Pérez) – Reformulou o universo DC, encerrando e reiniciando décadas de continuidade.
- 1986: – O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller) – Reinvenção do Batman como ícone sombrio e violento.
– Watchmen (Alan Moore & Dave Gibbons) – A desconstrução definitiva do gênero, carregada de crítica política e existencial.
– Daredevil: Renascido (Frank Miller & David Mazzucchelli) – Arco dramático que expõe Matt Murdock à ruína e redenção. - 1987: – Batman: Ano Um (Frank Miller & David Mazzucchelli) – Origens realistas e definitivas do Batman moderno.
– Liga da Justiça: Internacional (Keith Giffen & J.M. DeMatteis) – Liga da Justiça com humor e dinâmica inovadora. - 1988: – Batman: Piada Mortal (Alan Moore & Brian Bolland) – A origem definitiva (e perturbadora) do Coringa.
– Batman: Morte em Família (Jim Starlin & Jim Aparo) – A morte de Jason Todd, marcada pela votação dos fãs. - 1989: – Asilo Arkham (Grant Morrison & Dave McKean) – História experimental, psicológica e visualmente inovadora sobre Batman e seus vilões.
– Sandman (Neil Gaiman) – Estreia de uma das HQs mais importantes de todos os tempos, que mistura mitologia, literatura e fantasia sombria.
Em geral, os anos 1980 foram um momento de reconstrução. O que temos como concreto sobre a maioria dos super-heróis mais lendários nos dias de hoje foi moldado nesse período. Foram nesses dez anos que o gênero de heróis provou não ser algo infantil, e sim algo maduro e feito para pessoas com sensibilidade para compreender suas entrelinhas.
O legado deixado por esse período moldou desde as séries animadas da DC nos anos 1990 até o MCU, nos anos 2000 e 2010.
Enfim, os quadrinhos se tornaram um tipo de literatura respeitável, especialmente devido a Sandman e Watchmen. A partir disso, o gênero tornou-se palco de debates mais profundos e, mesmo com o advento da tecnologia, conseguiu manter-se em pauta até os dias de hoje.
Bom, essa foi nossa viagem pelos anos mais mágicos dos quadrinhos de herói.
E você, acha que os anos 1980 realmente foram o auge dos super-heróis? Se concorda ou discorda, não deixe de comentar!
Matéria em colaboração com o Lar da Cultura Pop
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