CRÍTICA: A PRAIA DO FIM DO MUNDO
“Praia do Fim do Mundo” surge como um diferencial raro dentro do cinema brasileiro. O longa se apresenta como uma experiência sensorial que foge completamente do lugar-comum, evocando um tipo de cinema que dialoga com a poesia e com o mistério em doses iguais. Ele parece carregar em sua essência uma fusão improvável: de um lado, a contemplação silenciosa e lírica de “Limite” (1931), de Mário Peixoto, e de outro, a estranheza contemporânea e pulsante de “Motel Destino” (2024), de Karim Aïnouz. Essa mistura cria um terreno instável, mas fascinante, que respira a alma de David Lynch nas entrelinhas, principalmente pela atmosfera de sonho e desconforto que paira sobre cada cena. Há algo de hipnótico em assistir ao filme, como se estivéssemos presos em um estado de vigília entre o real e o imaginário, sem nunca saber ao certo em qual deles confiar.
Essa atmosfera onírica não se restringe apenas ao que vemos, mas também ao que ouvimos. O som, assim como o mar, é um personagem por si só e que insiste em assombrar a narrativa. A sensação é a de que a maré nos engole junto com os personagens, arrastando-nos para um limbo onde o tempo parece suspenso.
O trabalho sonoro é meticuloso. Ao mesmo tempo, a direção de arte e a fotografia foram ousadas e certeiras em manter o preto e branco, opção estética que não apenas reforça a intemporalidade da obra, mas também dialoga diretamente com a tradição de um cinema experimental e poético. O preto e branco aqui não é mero recurso estilístico, mas sim amplia contrastes e dá à narrativa uma aura de fábula, ou até de pesadelo gravado na memória.
Já as atuações, que à primeira vista podem parecer mornas, revelam-se exatamente no tom necessário. A contenção, longe de ser um problema, é um acerto. Não há excessos nem falta de energia – cada pausa e cada olhar estão perfeitamente alinhados com a proposta do roteiro. Essa escolha dos atores cria um efeito curioso de ao invés de tentar roubar a cena, eles se integram ao todo, funcionando quase como extensões da paisagem e da atmosfera. Essa uniformidade evita qualquer distorção que pudesse quebrar o feitiço, permitindo que a estranheza do filme se instale de forma natural. É um tipo de atuação que se afasta do que o público geralmente espera, mas que, dentro do contexto, se mostra essencial para a coesão da obra.
No fim, “Praia do Fim do Mundo” é um verdadeiro tesouro do cinema nacional. Um filme que desafia convenções, provoca sensações e prova que o Brasil ainda é capaz de entregar obras que conversam com o passado, mas se projetam para o futuro. É uma experiência que merece não apenas ser vista, mas também reconhecida e celebrada. Poucos filmes brasileiros recentes conseguem carregar tamanha ousadia estética sem abrir mão da emoção e da potência narrativa. “Praia do Fim do Mundo” se firma, assim, como uma obra que já nasce clássica, destinada a permanecer viva no imaginário daqueles que se deixam levar por sua maré.
NOTA FINAL
4/5
★ ★ ★ ★
Autor: Alexandra Coral
Compartihar:
Publicar comentário