O cinema brasileiro tem se nutrido de histórias dos 21 anos de ditadura militar, assim como a Europa se alimenta das narrativas das duas grandes guerras. São períodos sombrios da história humana que, quando retratados na tela, nos fazem duvidar de que tamanhas barbaridades possam realmente ter acontecido.
A luta pela existência torna-se sempre o tema central desses filmes. Mais do que falar sobre guerras e governos, eles falam sobre liberdade e direitos. Esse é o caso do filme de Guto Pasko, baseado em acontecimentos reais. O roteiro nos apresenta cerca de duas semanas durante as quais Beatriz (Gabriela Freire) desapareceu após ser deixada pelos pais no seu primeiro dia de estágio em uma repartição pública em Curitiba.
Ela é presa pelo DOPE e submetida a interrogatórios violentos e coercivos, prática comum naquela época. Pessoas desapareciam sem explicação, sequestradas pelo Estado por serem suspeitas de atos terroristas, e com Beatriz não foi diferente.
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O filme de Guto Pasko é uma obra de estética apurada, com um acabamento preciso. O desenho de som, feito por Kiko Ferraz e Christian Vaisz, é impecável, um dos melhores que já vi no cinema nacional. No entanto, o roteiro é frio. Ele não nos permite conhecer Beatriz nem nos aproxima dela e de sua família. Ficamos, claro, horrorizados e desprezamos os militares, inclusive a inércia do personagem Nonato (Eduardo Borelli). Contudo, sentimos falta de entender o que Beatriz está protegendo, por que ela permanece calada; na verdade, nada é realmente revelado ao público, e o final fica um pouco vago.
Gabriela Freire é uma ótima atriz, com uma curva dramática bem desenvolvida, mas faltam elementos no roteiro que nos ajudem a entender o que realmente aconteceu para que ela se encontrasse naquela situação. Não há uma construção da personagem que nos deixe aflitos sobre o que ela está dizendo ou que contradiga os fatos apresentados pelos militares. Há uma crítica à tortura e à forma como ela pode levar as pessoas a dizerem o que os torturadores querem ouvir, o que muitas vezes não condiz com a verdade. Mas falta compreensão sobre quem é Beatriz nessa história, se ela estava no lugar errado na hora errada ou se realmente fazia parte de uma guerrilha antiditatorial.
Por outro lado, Guto Pasko acerta em cheio na escolha dos planos e na maneira como conta a história de Beatriz. A estética é belíssima, rica, detalhada, com fotografia e direção de arte tão impecáveis quanto o elenco. Tanto que, no Festival Cine PE 2023, o filme foi premiado em cinco categorias: Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte e Melhor Edição de Som.
Porém, todo esse cuidado técnico, sem o fator humano e emocional, cria um distanciamento que, especialmente em um filme como esse, não deveria existir.
NOTA FINAL
3/5
★ ★ ★
Autor: Daniel Castilhos