Dispatch chegou como um lançamento discreto, quase despretensioso, mas rapidamente se tornou uma das experiências mais marcantes do ano. Desenvolvido pela AdHoc Studio — formada por veteranos da Telltale Games e da Ubisoft — o jogo prova que ainda existe espaço para narrativas interativas que equilibram humor, emoção e personalidade sem nunca perder de vista a coerência de sua própria proposta. Em vez de tentar reinventar o gênero, a obra o eleva com confiança, ritmo e um elenco tão forte que se torna impossível sair ileso dessa jornada.
Esta análise foi realizada a partir de uma cópia de Dispatch fornecida pela AdHoc Studio.
A história acompanha Robert Robertson III, herói que carregava o legado de seu pai e avô sob o nome de Mecha Man — até perder tudo em uma batalha devastadora contra Shroud, seu maior inimigo. Sem traje, sem status, sem norte emocional, Robert aceita um novo emprego como despachante na Superhero Dispatch Network, responsável por coordenar chamados emergenciais usando um grupo improvável: o Time-Z, um conjunto de ex-vilões tentando uma segunda chance. É a partir daí que o jogo constrói sua força. A AdHoc transforma essa premissa em uma história sobre convivência, amadurecimento e relações humanas — mesmo quando elas acontecem entre delinquentes regenerados, um morcego nervoso e uma jovem invisível que odeia trabalho em equipe.
A escrita se destaca não apenas pelo humor, mas pelo cuidado em desenvolver cada personalidade do elenco. Invisigal, dublada com precisão por Laura Bailey, é uma figura explosiva que ressoa mais pelo que ela tenta esconder do que pelo que revela. Flambae, o incendiário arrogante, cresce justamente porque o jogo entende que ele pode ser mais do que um alívio cômico. Sonar, interpretado por MoistCr1TiKaL, alterna entre o absurdo e o sensível em uma performance que surpreende pela naturalidade. E o que poderia ser apenas uma lista de caricaturas se transforma em um grupo vivo, cheio de conflitos internos, cumplicidade improvisada e um senso de comunidade que se constrói episódio após episódio.
É aqui que entra minha experiência pessoal: Dispatch foi um jogo que me segurou do início ao fim. A cada episódio concluído, eu ficava imediatamente ansioso para ver o próximo. Não existe enrolação, não existe barriga narrativa. Cada capítulo tem um motivo claro para existir e te conduz naturalmente ao seguinte. Fazia tempo que eu não sentia essa sensação de “não consigo parar”, e para mim esse é o maior sinal de que a obra funciona. É um universo imersivo que não cansa, um elenco que cresce com você e uma história que, quando parece que vai descansar, lança uma nova virada emocional.
E isso fica evidente em dois momentos que considero essenciais.
O primeiro é o Episódio 5 — “Entrosamento”.
Aqui, o Time-Z finalmente sai do ambiente de trabalho e passa uma noite juntos, bebendo e comendo tacos depois de uma briga de bar. Pode parecer um desvio simples, mas é justamente o contrário: é um dos episódios mais bem escritos do jogo. A dinâmica entre os personagens ganha uma camada nova, mais íntima, mais humana. As piadas fluem com naturalidade, mas existe um subtexto emocional que muda o rumo das relações dali em diante. Esse é o episódio que consolida a sensação de família improvisada — um ponto de virada que transforma o caos cotidiano em algo mais profundo. Foi nesse capítulo que percebi o quanto me importava com esse grupo de forma genuína.
O segundo momento vem logo depois, no Episódio 6, quando um grande acontecimento afeta o Time-Z inteiro. O jogo acerta em cheio ao mostrar que, mesmo personagens com personalidades completamente opostas, reagem com a mesma intensidade emocional diante do ocorrido. Não importa se é alguém durão, sarcástico, retraído ou barulhento — todos são atingidos de forma igual. Essa decisão narrativa consolida o amadurecimento do elenco e mostra a AdHoc no seu melhor: uma equipe que entende que impacto emocional não vem do choque, mas da consequência.
Esse conjunto seria suficiente para sustentar Dispatch, mas o jogo vai além ao utilizar pequenos trechos de jogabilidade e gerenciamento para reforçar a identidade de Robert como líder. Não são sistemas complexos, mas funcionam perfeitamente dentro da proposta. Atribuir missões com base nos atributos do Time-Z — inteligência, força, agilidade ou instabilidade temperamental — cria uma camada estratégica que dá ritmo ao jogo sem comprometer a narrativa. Flambae cresce em combate, Sonar domina operações que exigem raciocínio, Golem segura toneladas de concreto — e você passa a entender cada um deles na prática, não apenas nos diálogos.
Essa construção só funciona porque Aaron Paul, no papel de Robert, entrega uma performance marcante. Ele interpreta um homem cansado, quebrado e inseguro, mas nunca apático. Sua voz sustenta o humor, suaviza os momentos difíceis e dá credibilidade a cada relação que se forma. Há um equilíbrio raro na atuação dele: é contida, mas presente; é sutil, mas profunda.
ᐳ Conclusão
No fim, Dispatch se consolida como uma obra que sabe exatamente o que quer ser. Não tenta imitar grandes produções, não se perde em ambições desnecessárias e não exagera na interatividade — e essa clareza é o que o torna tão forte. É uma história contada com ritmo, personalidade e muito coração. Quando os créditos subiram, fiquei em silêncio por alguns minutos, só processando tudo. Não porque faltou alguma coisa, mas porque eu realmente não queria que tivesse acabado.
Por tudo isso, e pela forma como me senti imerso, cativado e envolvido com cada episódio, Dispatch é, sem dúvida, um dos melhores jogos de 2025. Uma experiência que renova o gênero narrativo, que surpreende pela maturidade e que entrega personagens impossíveis de esquecer.
DISPATCH (2025)
- Personagens fortes e memoráveis
- Narrativa emocionante, amarrada e viciante
- Qualidade gráfica excepcional
- Escolhas nem sempre mudam tanto o rumo
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