Vidas Passadas (Past Lives), que foi indicado ao Oscar 2024 como Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, e vencedor de mais de 6 prêmios em várias premiações, é muito mais que um filme de romance ou drama, é uma experiência contemplativa que busca te envolver, independente da sua situação, como uma parte ou momento do filme.
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Celine Song, cineasta de 36 anos, estreou no cinema com o seu primeiro filme que foi pra lá de elogiado e premiado. Antes de dirigir o filme indicado ao 96º Oscar como Melhor Filme, ela possuía duas peças de teatros em sua carreira: Endlings, e The Seagull on The Sims 4. Mas, somente com seu primeiro longa-metragem, ela sim foi reconhecida.
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Escrito e dirigido pela mesma, Vidas Passadas conta a história de Nora e Hae Sung, dois amigos de infância profundamente conectados, que se separaram depois de uma mudança. Após duas décadas, eles se reencontram na cidade de Nova York para uma semana fatídica enquanto confrontam situações do destino, com amor e escolhas. O que parece ser somente mais um romance, está longe disso.
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Uma das ideias mais intrigantes que o filme explora é o conceito de “In-Yun”, uma crença coreana que sugere que o contato entre duas pessoas nesta vida, mesmo que mínimo, indica que suas almas estiveram conectadas em uma vida passada. Celine Song usa esse conceito para jogar com as eternas possibilidades do “e se”, de uma forma delicada e envolvente. Nora, embora cética em relação a essa ideia, menciona brincando que coreanos a usam para seduzir. Ainda assim, a diretora revela, através de sua cuidadosa direção e roteiro, que não precisamos acreditar em reencarnação para viver várias versões de nós mesmos ao longo da vida.
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O filme se desenrola em três atos, com cada um situado 12 anos depois do outro, retratando Nora em diferentes fases da vida. Primeiro, vemos sua infância em Seul, onde é uma garota sonhadora e ambiciosa. Depois, a encontramos como uma dramaturga em Nova York, onde sua vida muda novamente com o reencontro de Hae Sung. O passado e o presente se cruzam através de memórias e momentos.
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A diferença entre romances tradicionais e clichês, Vidas Passadas transcende um impacto muito forte, seja em momentos ou situações em que vivenciamos no longa. Ao mesmo tempo em que você sente um sentimento de paz, também sente de sufocamento, de emoção, pois o relacionamento dos dois personagens se torna algo tão nítido e difícil de se expressar, que acaba nos conectando, mesmo em diferentes estações da sua vida; você consegue se emocionar, mesmo nunca ter vivido algo realmente como aquilo.
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Greta Lee e Teo Yoo são realmente fortes, sentimos uma conexão com eles, mas de forma inexplicável, levando em conta o enredo duramente bem feito. John Magaro, com, de certa forma, um personagem bem complicado, consegue transmitir algo que certamente eu ou você poderia fazer, nada além de uma paixão e entendimento para com a situação. Leem Seung-min e Hwang Seung-eon foram as versões crianças dos personagens Nora e Hae Sung, e também conseguiram transmitir uma atmosfera tão realista e dura, algo que eu jamais tinha visto.
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Juntamente com o roteiro, a direção nos mantém flexível na história, nos mantendo em um visão de “isso realmente aconteceu”, ou “isso realmente pode acontecer”. As cenas vividas em Nova York e Coreia são realmente orgânicas, bonitas e tão confortantes. Parece ser um paraíso. Não basta só cenários elegantes, é necessário enquadramento correto, e isso aqui também tem. Nenhuma cena desse filme foi feita de qualquer jeito, nada foi guiado por nenhuma razão; quando é necessário sorrir, Celine consegue, quando é necessário chorar, ela também consegue. Cenas como a do carrossel nos fez imaginar algo que não aconteceu, mas poderia acontecer, nos deixou pressionados para o que vai acontecer ou como eles passarão por isso. As cores transmitem paz e fluidez.
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Não bastando direção e roteiro, a trilha composta por Christopher Bear e Daniel Rossen são emocionantes, suavemente necessárias e bem introduzidas na história. Uma espécie de jazz romântico e música ambiente. Mesmo sendo tão simples, são extremamente combinadas.
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No desfecho de Vidas Passadas, após se despedir de Hae Sung e voltar para casa, Nora é tomada por uma intensa emoção, que vai além de um simples arrependimento de não ter ficado com ele. As lágrimas que ela derrama revelam uma dor mais profunda, ligada às escolhas que a vida a forçou a fazer e ao distanciamento que o tempo causou entre os dois.
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Nora não estava preparada para o impacto emocional de reencontrar e, mais uma vez, dizer adeus a Hae Sung. Ela se entristece não apenas pela distância física, mas também pela sensação de perda de um amor que ficou no passado, enquanto seguia um novo rumo ao lado de Arthur.
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O final não se foca em um “e se”, mas no que ainda pode vir. Hae Sung reflete se, talvez em outra existência, eles possam estar juntos. Apesar da realidade da separação nesta vida, ele mantém viva uma centelha de esperança para o futuro, mesmo que distante.
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Quando recebemos um longa-metragem que possui um enredo emocionante e impactante, direção espetacular e belo, e uma trilha singela e especial, é unânime a sensação de sufoco e emoção. Sua vida não será a mesma após assistir Vidas Passadas, de Celine Song.
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Wesley Aguiar
Redator, cinéfilo de bom gosto e muito fã do Dennis Villeuneve. Sou aquele que se encantou assistindo Duna e foi louco o suficiente para platinar Cuphead.
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