Através de “Emília Pérez“, o cineasta francês Jacques Audiard, conjura mais uma experiência desafiadora – para si mesmo e para o espectador. Não existe nada próximo igual a esse musical situado quase que inteiramente no México.
Vagamente inspirado no romance “Écoute” (2018), “Emília Perez” conta a história de Rita (Zoe Saldaña), uma advogada de defesa que ajuda homens canalhas – e em alguns casos até assassinos – a não serem indiciados pelos seus crimes. Estressada e desvalorizada, Rita aceita a proposta obscura de um cliente em potencial. Acontece que esse cliente é ninguém menos que Manitas (Karla Sofía Gascón), um temido e poderoso traficante. Manitas contrata Rita para que ela o ajude a finalmente realizar uma cirurgia de mudança de sexo, algo que ele diz ser o sonho, capaz de restaurar o sentido de viver.
Um dos pontos mais explorados em histórias que retratam personagens da comunidade trans é a preocupação quase que exclusiva com a transição em si. Com o processo transformação e não em como a personagem em questão se sente confortável com o resultado. A estrutura narrativa fluida de “Emilia Pérez” remete ao ponto de que essa cirurgia é apenas uma nota na jornada da personagem. O primeiro ato de uma nova vida.
Situar o mundo nesse universo agressivo e ultra-masculino dos carteis de drogas é uma decisão inspirada. E que revela “Emilia Pérez” um interesse em investigar como essas performances sociais conferem poder a um dos lados. Surge um retrato poderoso de alguém que desafia vários estereótipos durante o dia.
O trio de mulheres no centro dessa história faz cada momento pulsar, mesmo que um número musical não esteja sendo performado. Zoe Saldaña finalmente recebe um trabalho capaz de revelar todo seu alcance dramático. A espanhola Karla Sofía Gascón recebe aqui um papel que promete catapultar sua carreira dentro da indústria. A maneira como traduz essa dramática transição – do temido traficante Manitas até a personagem que dá nome ao filme ao longa – é feita de maneira brilhante. Facilmente uma das grandes performances de 2024 e merecedora do prêmio que levou em Cannes nesse ano. Selena Gomez brilha em um papel coadjuvante, mas ainda assim bastante desafiador.
Ela dá vida a jovem esposa de Manitas, Jessi, que mesmo tento vivendo em constante perigo, parece nunca ter perdido o sonho de ser feliz. As trocas que Emília tem com Jessi revelam talvez a pergunta mais interessante do longa: é realmente possível se reinventar completamente? Afinal, mesmo tendo renunciado à sua identidade de chefão do cartel, Emília ainda é responsável por inúmeros assassinatos.
Os prazeres melodramáticos de “Emília Perez” são inúmeros. Seus números musicais embalados por uma trilha Techno funcionam na maior parte do tempo. Jacques Audiard, mais uma vez não tem medo de apostar grande e quase sempre acerta sua nota. Sua sensível exploração acerca de temas como performance e identidade de gênero torna toda essa saga de crimes inebriante.
NOTA FINAL
4/5
★ ★ ★ ★
Autor: Raphael Aguiar
O longa estreia em 6 de fevereiro de 2025 nos cinemas, com distribuição da Paris Filmes. Agradecemos a Paris Filmes e ao Festival do Rio pelo convite!