Desde seu prologo “A Semente do Mal” deixa claro que o tom dessa empreitada será bem diferente das imagens oníricas que permearam o longa anterior de Gabriel Abrantes, a fabulosa comédia “Diamantino”.
Temos aqui um conto gótico bastante modesto, que se utiliza de muitas ferramentas do horror psicólogo e que bebe bastante do subgênero italiano Giallo. Ainda assim a veia satírica do promissor cineasta português permanece intacta.
Carloto Cotta se reúne mais uma vez com Abrantes em um papel duplo. Ele dá vida a Edward, um jovem atormentado pelo desejo de saber quem são seus pais biológicos. Após utilizar uma avançada ferramenta de coleta de DNA, Ed acaba sendo informado de que existem parentes residindo em Portugal.
Não demora muito pare ele entrar em contato com seu irmão gêmeo, Manuel (também vivido por Cotta) e embarcar em uma viagem acompanhado da sua namorada Ryley (Brigette Lundy-Paine) rumo as suas origens.
Entra em cena a matriarca Amélia, vivida por uma Anabela Moreira debaixo de toneladas de próteses faciais. A atriz brilha no papel e é através dela que todo potencial campy começa a tomar forma. Abrantes parece se deleitar construindo diversas situações que vão exacerbando o desconforto que a presença de Amélia inspira.
Suas inúmeras plásticas e o tom monótono da fala (devido ao preenchimento labial) ajudam a deixa-la indecifrável. Seu corpo cada vez mais encurvado evoca a imagem de alguém que está se descompondo em tempo real.
O humor negro atinge seu ápice quando Abrantes traz uma cena aonde Amélia resolve dançar pela sala ao som de “Garota de Ipanema” – talvez o melhor uso dessa canção em uma produção audiovisual. O gêmeo Manuel também ajuda potencializar a tensão e revelar o subtexto psicossexual. Sua obsessão e zelo excessivo pela mãe rapidamente vão ganhando contornos incestuosos.
Cabe a performance de Lundy-Paine trazer um contraponto com esses personagens quase caricaturais. Enquanto Ed parece viver em um conto de fadas, Riley se vê presa em um filme de terror. “A Semente do Mal” pode ser incompreendido por aqueles que o lerem tendo referência um terror mais comercial e simplista.
Incestos e assassinatos brutais são sugeridos, mas nada de fato aparece na tela. É curioso como até em termos de violência o filme é bastante econômico. Aqui, silêncios constrangedores tão incômodos quanto vultos na noite.
É preciso se deixar levar pela forma como Gabriel Abrantes segue essas convenções góticas como base para satirizar obsessões freudianas e a impossibilidade da classe dominante em não dizer adeus para o passado. Talvez seja sutil e modesto demais para um material que claramente tinha potencial para ser maior dentro das suas excentricidades.
NOTA FINAL
3,5
★ ★ ★
Autor: Raphael Aguiar