Em “Pisque Duas Vezes”, Zoë Kravitz faz sua estreia atrás das câmeras. Esse é um thriller psicológico afiadíssimo, com fortes vislumbres de “Corra” e “As Esposas de Stepford”. Charmoso de uma maneira inesperada, deixando o espectador ansioso para saber não só o que vem a seguir, mas também qual será o próximo passo nessa nova fase da carreira de Kravitz.
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Naomi Ackie (I Wanna Dance With Somebody) interpreta Frida, uma ambiciosa jovem que por necessidades financeiras acabou presa no trabalho de garçonete de eventos de gala. Durante um desses eventos ela acaba encontrando o bilionário do ramo tecnológico Slater King (Channing Tatum), que vem tentando recuperar sua imagem pública após denúncias de abuso de poder. Slater convida Frida para participar de um retiro na sua ilha particular.
Lá ela encontra outras jovens que foram convidadas e também amigos pessoais de Slater. Não demora muito tempo para que ela perceba que existe um preço para viver naquele paraíso.
Dizer mais é correr o risco de revelar os inúmeros prazeres e surpresas macabras que “Pisque Duas Vezes” reserva dentro de si. É impressionante como Kravitz tem o total comando da sua visão criativa. Ela compõe um filme visualmente deslumbrante e inventivo através de close-ups vibrantes que atuam como janelas para o estado emocional da protagonista, além de serem também extensões do seu olhar frente ao falso paraíso. Tudo isso somado a um belíssimo design de som que revela o grotesco e macabro no belo.
Outro ponto importante é o trabalho da direção de arte de Roberto Bonelli, o mesmo de “Armadilha”. Assim como no thriller de Shyamalan, o suspense aqui cresce em um ambiente relativamente fechado. Mesmo assim, o passeio pela ilha de Slater nunca soa repetitivo. A cada cena descobrimos algo novo mesmo em cantos que já foram visitados.
O ritmo é pulsante, mas nunca apressado. Kravitz toma seu tempo para revelar o incomodo que reside numa troca casual. O roteiro é cuidadoso na revelação de cada pista. Quando alguma reviravolta finalmente chega, momentos são recontextualizados e pequenos diálogos tomam outra dimensão.
Como já era de se esperar, existe um carinho especial de Kravitz na direção do seu elenco. Naomi Ackie, é o coração do longa e a corrente que mantém o filme amarrado durante suas transições de tom. Channing Tatum tem aqui uma oportunidade para brincar com sua aura de galã e com a percepção que o público de uma maneira subversiva.
O belo elenco de coadjuvantes, composto por nomes como Christian Slater, Genna Davis, Adria Arjona, Simon Rex, Haley Joel Osment, entre outros, consegue ter seu de destaque tanto em momentos mais cômicos e também quando a tensão alcança seu auge.
Embora tenha alguns elementos possam soar fantasiosos, está é uma história que claramente espelha famosos predadores sexuais da vida real. É impossível não enxergar ecos de nomes como Jeffrey Epstein e Bill Cosby na trupe de Slate. Assim como “Corra”, esse é um longa que utiliza de convenções de filmes de gênero para discutir algumas dinâmicas de gênero, classe e raça que permeiam nossas relações sociais diariamente.
“Pisque Duas Vezes” é um verdadeiro cartão de visita de uma cineasta promissora capaz de trazer para o cinema mainstream temas provocadores. O horror reside nas entrelinhas, assim como o trauma velado da sua personagem. O espectador é apresentado a um conto melancólico sobre tudo que aquilo que mulheres são compelidas (ou obrigadas) a relevar e esquecer. No fim, o preço para o “paraíso” parece ser a indiferença.
NOTA FINAL
4/5
★ ★ ★ ★
Autor: Raphael Aguiar