CRÍTICA: A SUBSTÂNCIA
Uma celebridade decadente decide usar uma droga do mercado negro, uma substância que replica células que cria temporariamente uma versão mais jovem e melhor de si mesma.
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Reviramos os olhos e fazemos piadas na internet toda vez que nos deparamos com estratégias de marketing forçadas como, por exemplo, durante algum trailer algum cineasta é intitulado como um “visionário” ou dono de uma “twisted mind”. Mas se hoje existe um nome no cinema contemporâneo que realmente merece esses – e muitos outros – títulos semelhantes de um jeito não irônico, esse nome é o da cineasta francesa Coralie Fargeat.
Depois de um poderoso longa de estreia, o thriller “Vingança”, aonde abordava a cultura de estupro através de convenções de histórias de vingança, Fargeat volta com uma obra-prima do body horror que será o estopim de debates acalorados dentro da comunidade cinéfila.
Nem mesmo dizer que “A Substância” é uma mistura perversa de “A Morte lhe Cai Bem” com “A Mosca” é capaz traduzir o quão gloriosamente gore esse épico indomável é.
Um aviso: não é recomendável que você coma frango (ou qualquer outra coisa) poucas horas antes da sessão. Essa ficção científica de horror conta a história de Elizabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz aclamada no passado, mas que atualmente enfrenta uma carreira em constante declínio. Após ter o seu programa de aeróbica cancelado, Elizabeth descobre que o chefe da emissora (Dennis Quaid) está em busca de uma jovem modelo para apresentar esse programa. Surge então a oportunidade de participar de um enigmático experimento chamado apenas de “A substância”.
Esse procedimento consiste em uma formula capaz de duplicar o DNA de um indivíduo, dando origem a uma espécie de cópia mais jovem da pessoa. Assim nasce Sue (Margaret Qualley), que tem uma ascensão meteórica assim que faz seu primeiro teste. Só que esse procedimento vem com uma série de regras. O custo para manter o equilíbrio requer uma disciplina constante. Os problemas começam quando Sue fica mais e mais embriagada com toda a atenção dos holofotes, negligenciando os efeitos colaterais.
Uma espécie de “Frankenstein” para uma geração de que tem a imagem como tudo, “A Substância” opera como um conto de fadas sobre as expectativas de beleza irreais que são impostas sobre as mulheres. A medida que avança o longa se torna um alerta sobre o pesadelo que é enxergar apenas o valor que os outros dão para você.
A rivalidade que nasce entre Sue e Elizabeth revela o senso de humor macabro do roteiro, além da pungência que a trama carrega. Estamos essencialmente vendo duas gerações de mulheres entrando em um ciclo sem fim de rivalidade entre si devido a jogos cruéis e chauvinistas amplamente institucionalizados. “A Substância” usa de todos os extremos que o cinema de gênero oferece para falar sobre problemas tão tangíveis. Fargeat revela o monstro e a solidão que habita dentro de nós e que no final faz com que esses padrões cruéis permaneçam vivos muito após o nosso fim.
Demi Moore dá corpo e alma para essa alegoria. Sua Elizabeth é o maior papel de toda a carreira da atriz. Um símbolo pop nos anos 80 e 90, Moore aqui se despe toda vaidade e ego. Seu olhar é carregado de vulnerabilidade e é capaz de transformar até o seu silencio num grito de socorro.
Fargeat utiliza a beleza de etérea de Margaret Qualley para maximizar ainda mais o impacto das dores de Elizabeth. Sua Sue brilha como uma supernova desde o seu primeiro momento. Ela começa como a fantasia masculina máxima, mas sua inocência e impulsividade revelam a tristeza de alguém que tão desesperada para ser amada que aceita ser vista apenas como um corpo caso isso lhe garanta um breve espaço ao sol. Dennis Quaid também merece uma menção como Harvey, o chefe da emissora. Ele está diabolicamente divertido e canastrão. A junção de toda uma cultura misógina capaz de triturar corpos e sonhos apenas para cuspi-los na calçada momentos depois. Fargeat se estabelece como a grande referência no gênero para os próximos anos.
Faça um favor a si mesmo, assista na melhor e maior tela a sua disposição. Essa odisseia regada a cores extravagantes, trilha eletrônica e um trabalho de maquiagem primoroso – com direito a todos os tipos de fluidos humanos e orifícios – vai te deixar na ponta da cadeira o tempo todo.
NOTA FINAL
5/5
★ ★ ★ ★ ★
Autor: Raphael Aguiar
Agradecemos a Imagem Filmes pelo convite!
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