CRÍTICA: CAIAM AS ROSAS BRANCAS
A estética pretensiosa e sem alma de “Caiam as Rosas Brancas!”
Albertina Carri – a diretora do longa – é conhecida por um cinema experimental e político que mistura realidade e ficção para explorar temas como sexualidade, identidade e memória. Em “Caiam as Rosas Brancas!” (2025), ela retoma esse estilo ao transformar uma história sobre cinema e desejo em uma fantasia queer com vampiras, reafirmando seu compromisso com narrativas dissidentes e formas cinematográficas não convencionais.
A direção, embora ambiciosa em temática, revela-se desleixada na execução, especialmente nos cortes secos que quebram o ritmo narrativo e muitas vezes interrompem a construção dramática das cenas. Essa escolha, que poderia sugerir uma linguagem experimental bem amarrada, aqui soa apressada e desconectada, prejudicando a imersão do espectador. Ademais, a falta de coesão entre os blocos narrativos e a condução instável das performances evidenciam uma fragilidade na direção de atores. A diretora, que antes se destacava por sua habilidade em tensionar forma e conteúdo, parece neste trabalho perder o equilíbrio entre invenção estética e clareza narrativa, resultando em um filme que aposta alto na ousadia, mas tropeça na própria execução.

Além disso, o roteiro da obra peca pela fragilidade estrutural e pela falta de profundidade nas questões que pretende explorar. Ao tentar combinar uma crítica ao sistema de gênero e sexualidade com elementos de fantasia e vampirismo, o texto se perde em sua tentativa de ser provocador, mas sem oferecer uma reflexão substancial ou coerente. A trama, que deveria ser uma jornada de autodescoberta e confronto com normas sociais, se transforma em um emaranhado de clichês e cenas desconexas, onde as personagens parecem mais símbolos de ideias vazias do que seres humanos com motivações reais. A busca por um discurso feminista e subversivo é ofuscada por uma abordagem superficial que não consegue explorar as complexidades do que está sendo proposto.
Ao invés de se aprofundar nas questões de identidade e desejo, o roteiro se enreda em situações superficiais e desnecessárias, como a inserção forçada de elementos de fantasia cósmica que não servem ao desenvolvimento da história, tornando a obra fútil e sem impacto emocional. Ao longo de “Caiam as Rosas Brancas!”, é evidente que a narrativa perde o rumo à medida que tenta abraçar muitas ideias sem dar conta de desenvolvê-las com consistência. O filme começa com uma premissa promissora de uma jovem cineasta que está lidando com os dilemas da indústria pornográfica e suas implicações de gênero, mas rapidamente abandona esse conflito central para mergulhar em uma série de eventos cada vez mais desconectados e arbitrários.

A transição para o universo fantástico das vampiras, embora potencialmente rica em metáforas, surge de forma abrupta e mal integrada, como se o filme trocasse de gênero sem aviso ou preparo, deixando o espectador desorientado. Essa mudança de tom não acrescenta profundidade à trama, pelo contrário, dilui o que havia de mais interessante em sua proposta inicial. Sem um eixo claro, os personagens perdem densidade, os conflitos se esvaziam, e o filme se transforma em uma colagem de cenas estéticas e ideias soltas, onde a direção parece mais preocupada em chocar ou surpreender do que em construir um arco narrativo significativo. A perda de rumo não é apenas formal, mas conceitual e faz com que a obra termine sem chegar a lugar algum.
A montagem do filme é um dos elementos mais problemáticos aparentes. A tal é marcada por uma sucessão de cenas de apoio que pouco ou nada contribuem para o avanço da narrativa ou o aprofundamento dos personagens. Em vez de funcionar como costura orgânica entre os blocos temáticos – como o conflito inicial com a indústria pornográfica, a fuga das protagonistas e o surgimento da fantasia vampírica – a montagem opta por incluir uma série de sequências contemplativas, diálogos redundantes e momentos estéticos que se pretendem poéticos, mas que rapidamente se tornam repetitivos e enfadonhos. Essas cenas, muitas vezes prolongadas sem propósito narrativo claro, acabam por diluir o ritmo do filme e sobrecarregar a experiência do espectador.

A falta de critério na seleção e duração dessas passagens sugere uma tentativa de preencher lacunas de roteiro com atmosfera onírica, mas o resultado é o oposto. A obra se arrasta, perde tensão e gera cansaço. Em vez de criar fluidez ou sublinhar significados, a montagem contribui para a sensação de dispersão e esgotamento, tornando o longa mais uma coleção de momentos vazios do que uma narrativa coesa e envolvente. Além de tudo isso, as performances dentro do filme são marcadas por uma notável falta de naturalidade e entrega, o que acentua ainda mais a desconexão geral da película.
Os atores parecem deslocados dentro do universo proposto, como se não compreendessem plenamente as motivações de seus personagens nem o tom da obra, a qual oscila entre o realismo e o fantasioso sem oferecer sustentação dramática. As atuações soam forçadas ou inexpressivas, prejudicando qualquer possibilidade de criar empatia ou envolvimento emocional com o público. Em particular, a protagonista, que deveria carregar o peso simbólico e afetivo da trama, não consegue transmitir nem a angústia de sua jornada pessoal nem o desejo de ruptura que move sua fuga. Essa falta de sintonia entre elenco e material não se restringe às interpretações individuais, mas também afeta a dinâmica entre os personagens, que carecem de química e credibilidade em cena.

O resultado é um elenco que parece alheio à proposta estética e narrativa da obra, contribuindo para a sensação de artificialidade e distanciamento que permeia o filme. Em vez de dar vida às ideias da diretora, os atores funcionam quase como peças deslocadas em um cenário que exige mais do que eles conseguem oferecer. Apesar de seus inúmeros tropeços narrativos e formais, “Caiam as Rosas Brancas!” consegue preservar um aspecto visual que se destaca como o verdadeiro ponto de força da obra. A direção de arte é esteticamente apurada, com composições cuidadosas, paleta de cores bem trabalhada e cenários que evocam uma atmosfera onírica coerente com a proposta surreal da narrativa.
Há um esmero visual que, por momentos, consegue capturar a atenção e criar uma sensação de encantamento, mesmo quando o roteiro e as atuações falham em sustentar o interesse. A ambientação fantasiosa, sobretudo a partir da chegada à ilha das vampiras, funciona como uma espécie de respiro poético e dá ao filme um tom de fábula queer que, ao menos visualmente, encontra alguma força. A atmosfera de sonho, nebulosa e carregada de simbolismo, casa bem com o espírito libertário que a diretora parece buscar, ainda que não consiga traduzir isso de maneira eficaz na trama. Em meio a um filme que se perde em suas intenções e concretiza mal suas ideias, são a direção de arte e a ambientação onírica os únicos elementos que realmente se salvam – oferecendo breves momentos de beleza em uma obra que, no geral, carece de equilíbrio e consistência. Outro ponto importante a se reparar é como os estereótipos lésbicos são tratados de forma problemática e contraditória, especialmente considerando a proposta assumidamente feminista e de representatividade da obra.

A diretora, que já trabalhou com temas de sexualidade em projetos anteriores, aqui recai em representações rasas e estéticas do desejo lésbico montando e dando vida a personagens hipersexualizadas dentro da narrativa. São notáveis as relações que beiram o fetichismo, e cenas que parecem mais voltadas para a provocação visual do que para a construção de vínculos afetivos reais entre as personagens. Ao invés de apresentar a complexidade da experiência lésbica em sua diversidade e profundidade, o filme opta por reafirmar uma visão estereotipada que já é comum em representações mainstream: corpos femininos expostos, erotização gratuita e pouca elaboração psicológica das relações.
A grande contradição – e até hipocrisia – de Albertina Carri está no fato de defender um discurso de representatividade enquanto utiliza justamente os mesmos artifícios que historicamente reduziram personagens lésbicas a meros objetos de desejo ou choque visual. Ao recorrer a esses clichês sob a justificativa de uma estética libertária ou “subversiva”, a diretora esvazia o potencial político da obra e compromete sua integridade ideológica. O que poderia ser uma celebração da pluralidade e do afeto entre mulheres acaba funcionando como uma caricatura estilizada, onde a forma se sobrepõe ao conteúdo, e a suposta representatividade torna-se apenas uma fachada para reforçar mais do mesmo e agora disfarçado de vanguarda. Ademais, “Caiam as Rosas Brancas!” parece beber diretamente das fontes visuais e narrativas de cineastas como Eduardo Casanova e David Lynch, ainda que sem alcançar a coesão ou a inventividade desses autores.

O filme aparenta e realmente é apenas uma cópia da ideia de outros mestres do cinema. Esteticamente, o filme ecoa o universo kitsch, colorido e grotescamente belo de Eduardo Casanova, com sua direção de arte carregada de artifício, composições visuais que beiram o surreal e personagens que parecem mais arquétipos visuais do que seres humanos. No entanto, onde Eduardo usa o exagero visual como ferramenta crítica e provocadora – Como em “Pieles” (2017) ou “Al Margen” (2024) -, Albertina parece se limitar à estética, sem o mesmo controle simbólico e emocional. Ao mesmo tempo, há também um desejo de imitar a atmosfera onírica e perturbadora típica das obras de David Lynch, especialmente na maneira como o filme rompe com a linearidade e mistura realidade e fantasia de forma ambígua. Contudo, essa tentativa de criar um sonho lúcido “à la Lynch” – Como em “Mulholland Drive” (2001) ou “Twin Peaks” (1989) – se perde pela falta de ritmo e densidade dramática.
Enquanto Lynch mergulha o espectador em um labirinto psicológico, Carri apenas o dispersa. A imitação dessas estéticas, sem a mesma consistência narrativa ou domínio técnico, transforma o filme em uma colagem de referências visuais e temáticas que soam derivadas, mais como uma cópia superficial do que como uma releitura criativa. Um verdadeiro “frankestein” de várias outras obras que já existem. Logo, esse longa não possui nada de inovador e original. A existência do filme, longe de contribuir para o debate contemporâneo sobre gênero, sexualidade ou linguagem cinematográfica, representa um retrocesso e não passa de um exercício de vaidade estética que nada acrescenta ao panorama atual do cinema. E para piorar, o mesmo se apresentar como uma obra “engajada”, mas recheada de estereótipos e inconsistências.

Essa película compromete não só a reputação da própria diretora, mas também mancha momentaneamente a imagem do cinema argentino, que historicamente se destaca por sua sofisticação narrativa e ousadia autêntica. Trata-se de um filme que não precisava existir e cuja ausência não faria qualquer falta à arte contemporânea. Conclui-se que “Caiam as Rosas Brancas!” revela a limitação criativa de Albertina Carri, que entrega um filme pretensioso e superficial, sem domínio narrativo ou consistência temática. Apesar de apostar em uma estética visual elaborada, a obra falha em aspectos extremamente essenciais como roteiro, direção, performances e montagem, resultando em um produto vazio e mal executado. Típico filme feito para quem se paga de culto e intelectual.
NOTA FINAL
1/5
★
Autor: Alexandra Coral
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